segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Dentro das estrelas

(fonte: ultrad.com)


A visão estava comprometida, mas os outros 4 sentidos aguçaram. 

Os pés descalços tocavam a grama fria e úmida. A caminhada era lenta, meu dedo mindinho se enroscava no seu indicador de uma forma bem particular. Vento frio soprava dentro do peito, como uma brisa suave... Como a sensação de beber água gelada no calor. Todas os centímetros da pele sentiam uma sensação sem nome. Um amor intenso, uma tranquilidade leve e uma contração involuntária e constante dos músculos faciais em volta dos lábios. Dentro da cabeça, um furacão delicado de pensamentos.

Os sons eram diversos, e se misturavam como cores num papel. Som prateado da água caindo ao lado. O ruído bege do mato que era tocado pelo vento. O som da cigarra era cinza e sobrepunha o gritar rosa claro do grilo, apesar de ser possível ouvir todos os sons ao mesmo tempo.

Cheiro de planta, de água e de pele. E cheiro de pele com água e plantas. Tudo junto e misturado.

Na boca, o gosto era familiar. Está cada vez mais presente. Sentia o gosto, mas não só na boca. Sentia o gosto com todos os outros sentidos. Na boca abria uma passagem para a pele, para a nuca. Dormente e sensível, o 'paladar' era o sentido mais explorado e menos explorado ao mesmo tempo.

Mesmo que por menos tempo, a visão surge de volta, porém parcialmente. Na escuridão era possível ver pontos luminosos. A princípio, somente acima de nós. Em poucos segundos, alguns pontos deciam, e logo estavam por toda a parte... em cima, em baixo, ao lado. No fundo preto, piscavam e apareciam cada vez mais pontos luminosos. Já não sabia identificar se eram ou não reais. Se estavam ou não ali. Nós dois podíamos ver. 

Sem perceber, havíamos seguido um caminho diferente, seguimos até o final... e agora estávamos no meio das estrelas.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Faço tudo!

Não gosto de jiló... mas nunca comi jiló.

Esta é uma situação frequente na vida de todos. Não necessariamente sobre assuntos gastronômicos mas sobre tudo.
Estamos numa fase em que ninguém se permite. Não é aceitável estar aberto. Não é aceitável topar de tudo. O assunto que mais vem à mente neste momento é, obviamente, sexo. E é disso que estou falando também.
"Isso não pode! É gostoso, tô afim, mas é coisa de veado."
"Tira a mão daí! Tava até interessante, mas ouvi dizer que é coisa de puta."

E vai além do sexo. Isso se espalha pra tudo nas nossas vidas.
Ninguém mais topa sair da rotina, fazer loucuras, experimentar.
Nunca foi numa montanha russa, mas tem medo de tentar.
Tem curiosidade de conhecer um puteiro, mas tem medo de ser mal interpretado.
Evita usar roupas muito fora do padrão porque, apesar de ser confortável, pode gerar olhares desaprovadores.

"Faça uma lista de 5 coisas que você nunca faria."
Não tem que existir essa lista. Não existe 'nunca', a não ser que vá ferir seus conceitos éticos e morais... Mas mesmo assim. Os conceitos éticos e morais das pessoas estão tão deturpados, que tá valendo a pena burlar isso, pelo simples prazer de se permitir.

Se for à praia, nade pelado. Se der vontade, transe em público. Se for à China, coma escorpião. 
Faça tudo. Eu faço tudo!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Crise do Banco do Parque

Meditação e A Profecia Celestina me fizeram entrar num modo "de bem com a vida" um tempo atras. Uma consciência plena de algumas coisas, uma sensação de ter compreendido tudo e sanado todas as dúvidas existenciais. Um sentimento de leveza dominou meus últimos 6 meses.
Eu estava madura pra enfrentar momentos ruins como aprendizado sempre. Estava no momento de abertura mental para compreender o outro, compreender e ter paciencia com o erro do outro. Claro que não alcancei isso tão intensamente quanto lideres espirituais, mas me abri para ver o mundo assim e mantive um treinamento mental de positividade que funcionava perfeitamente....
Até hoje.

Hoje o dia amanheceu estranho. Mantenho, dentro da minha cabeça, a teoria toda. Sei os benefícios de me manter serena. Sei os efeitos colaterais fisicos e psicologicos de entrar em crise existencial ou em estado de confusão mental de novo.
Mas hoje, após um acúmulo de informaçōes e experiências durante os ultimos dias, acordei contemplativa.

Estou num parque de diversões, sentada num banco pelas ultimas 3 horas. E estou observando e pensando. 

Esmoecer sobre os pensamentos pode ser demorado e profundo demais nesse momento. Mas vai numa linha do bom e velho "qual o sentido da vida?" só que um pouco mais profundo.

Tudo parece entristecer com o passar dos anos. O entusiasmo desaparece, nos obrigamos a entrar numa rotina que, muitas vezes, passa longe do que queremos ou planejamos... E decidimos nos manter ali, simplesmente porque é mais comodo. Com o passar dos anos deixamos de tomar decisões empolgantes e passamos a tomar decisoes confortáveis. É assim que vai acabar? É uma decisão de vida ser 'fracassado' depois dos 40? Tenho exemplos do contrário, mas são tão poucos que me parecem exceções. 
Reclamar do casamento, do emprego, dos filhos, da igreja, da rotina... 
Peça o divórcio, demita-se, mude de atitude, mude de religião, vá viajar. Por que tudo isso parece ser impossível a partir de um determinado momento da vida??

Acho que ainda tenho alguns anos pra descobrir...

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Queda Livre (parte 2)

Brody não dizia mais nada. Marvin estava aterrorizado. 

Certo dia, Brody chegou, sorridente, pegou a chave e abriu a jaula. Olhou para os olhos arregalados de Marvin, que se espremia no canto, riu e foi embora, com a chave no bolso.

Marvin permanecia dentro da jaula, porém agora, sabia que a porta estava aberta. Com medo, permaneceu ali. Marvin tentava entender mas não conseguia. Qual era a intenção de Brody? Resolveu esperar até o dia seguinte pois tinha certeza que Brody voltaria.

No dia seguinte lá estava ele. Bem cedo, na porta da jaula. Marvin acordou com o barulho do portão rangendo. Apesar de ter tentado tomar coragem por dias, naquela hora não conseguiu dizer nada. Brody já estava com o pé dentro da jaula com a mão estendida.

Marvin observou por alguns segundos e pensou: FODA-SE! Pegou na mão de Brody e foi. Não conhecia Brody, não sabia pra onde estavam indo, não sabia ao certo o caminho de volta pra sua jaula... Não sabia nada. Marvin somente foi.

A viagem foi longa e silenciosa. Marvin não pediu explicações. Brody não deu satisfação.
Os olhos de Marvin estavam pesados. O silêncio não era constrangedor. Pelo contrário. O silêncio era confortável. Era como se eles se conhecessem desde sempre. Marvin cochilou.

Horas depois, ainda com os olhos fechados, sentiu que estava num lugar diferente. Por alguns segundos teve medo de abrir os olhos... Quando finalmente abriu, viu onde estava... No alto de uma montanha muito alta. Brody estava ali, com um meio sorriso. Marvin, supreendentemente não tinha medo. Não foi necessário conversar. Ambos entenderam o que ia acontecer. Respiraram fundo e pularam.

Queda livre. Sensação estranha na barriga. Não dá tempo de pensar se deve ou não. Não tem como prestar atenção em nada mais, além daquilo. Não se pensa no passado ou futuro. O foco é aquela sensação, naquele momento. Não se explica, não se entende. Somente se sente. Tudo que se podia perceber ali era a presença do outro. Estavam de mãos dadas. Sentiam o mesmo frio na barriga e, apesar de não saberem o que iam encontrar lá embaixo, estavam ali, aproveitando aquele momento... aquela sensação.

A jaula ainda estava lá, aberta. Marvin sentia que, se fosse necessário, podia voltar pra lá correndo. Ainda não queria.

Se mantiveram em queda livre.

Queda Livre (parte 1)

Há alguns anos Marvin estava preso. A jaula era quentinha, porém muito pequena. Marvin conseguia observar o movimento ao redor de seu cativeiro. Notava os andarilhos, percebia trejeitos e manias... porém pouco interagia, apesar de ter espaço para fazer isso entre as grades, se quisesse. 

Alguns tentaram se aproximar, fazer perguntas, tentar descobrir o porque ele estava preso ali, naquele lugar. Marvin sabia, mas preferia não responder. Inventava desculpas e, as vezes, criava contextos para justificar para os outros e até para ele mesmo. De tanto falar ele acabou acreditando nas próprias justificativas.

O que ninguém sabia é que ele não havia feito nada de errado. Marvin havia se trancafiado naquela jaula de ferro, pequena de propósito e jogou a chave longe, para não conseguir alcançar mais. Em alguns momentos, aqueles andarilhos que por ali passavam tentaram chegar perto para tentar ajudá-lo. Marvin fingia que era grato pela ajuda mas, na verdade estava com medo de sair dali e, suspirava aliviado cada vez que alguém fracassava.

Já havia se acostumado com aquele local. Se sentia seguro. As vezes pensava que estava perdendo grandes experiências. As vezes se pegava pensando se aquela era a melhor decisão. Mas Marvin estava cômodo e tinha receio de tentar alcançar a chave. 

Num dia frio, mais um andarilho que passava por ali decidiu se aproximar. Marvin ficou quieto no cantinho de sua jaula. O andarilho se apresentou:
- Sou Brody. Tudo bem?
 
O silêncio de Marvin foi a resposta. Brody olhou a chave jogada longe, olhou de volta para Marvin trancafiado, e foi embora, seguindo seu caminho. Marvin não entendeu. Ficou pensando naquilo por horas. 

Durante os próximos dias Brody aparecia ali, colocava a chave um pouco mais perto da jaula e ia embora.
Marvin estava desesperado. Passou todos os dias pensando naquela situação. O que ele ia fazer? Iria ele abrir a jaula? Por que ele não falava nada? Era uma mistura de sentimentos bons, relacionados à possibilidade de estar finalmente livre, com sentimentos ruins de medo e insegurança. A chave estava cada vez mais perto. Brody não dizia mais nada. Marvin estava aterrorizado.

(continua)