quinta-feira, 11 de junho de 2015

Queda Livre (parte 2)

Brody não dizia mais nada. Marvin estava aterrorizado. 

Certo dia, Brody chegou, sorridente, pegou a chave e abriu a jaula. Olhou para os olhos arregalados de Marvin, que se espremia no canto, riu e foi embora, com a chave no bolso.

Marvin permanecia dentro da jaula, porém agora, sabia que a porta estava aberta. Com medo, permaneceu ali. Marvin tentava entender mas não conseguia. Qual era a intenção de Brody? Resolveu esperar até o dia seguinte pois tinha certeza que Brody voltaria.

No dia seguinte lá estava ele. Bem cedo, na porta da jaula. Marvin acordou com o barulho do portão rangendo. Apesar de ter tentado tomar coragem por dias, naquela hora não conseguiu dizer nada. Brody já estava com o pé dentro da jaula com a mão estendida.

Marvin observou por alguns segundos e pensou: FODA-SE! Pegou na mão de Brody e foi. Não conhecia Brody, não sabia pra onde estavam indo, não sabia ao certo o caminho de volta pra sua jaula... Não sabia nada. Marvin somente foi.

A viagem foi longa e silenciosa. Marvin não pediu explicações. Brody não deu satisfação.
Os olhos de Marvin estavam pesados. O silêncio não era constrangedor. Pelo contrário. O silêncio era confortável. Era como se eles se conhecessem desde sempre. Marvin cochilou.

Horas depois, ainda com os olhos fechados, sentiu que estava num lugar diferente. Por alguns segundos teve medo de abrir os olhos... Quando finalmente abriu, viu onde estava... No alto de uma montanha muito alta. Brody estava ali, com um meio sorriso. Marvin, supreendentemente não tinha medo. Não foi necessário conversar. Ambos entenderam o que ia acontecer. Respiraram fundo e pularam.

Queda livre. Sensação estranha na barriga. Não dá tempo de pensar se deve ou não. Não tem como prestar atenção em nada mais, além daquilo. Não se pensa no passado ou futuro. O foco é aquela sensação, naquele momento. Não se explica, não se entende. Somente se sente. Tudo que se podia perceber ali era a presença do outro. Estavam de mãos dadas. Sentiam o mesmo frio na barriga e, apesar de não saberem o que iam encontrar lá embaixo, estavam ali, aproveitando aquele momento... aquela sensação.

A jaula ainda estava lá, aberta. Marvin sentia que, se fosse necessário, podia voltar pra lá correndo. Ainda não queria.

Se mantiveram em queda livre.

Queda Livre (parte 1)

Há alguns anos Marvin estava preso. A jaula era quentinha, porém muito pequena. Marvin conseguia observar o movimento ao redor de seu cativeiro. Notava os andarilhos, percebia trejeitos e manias... porém pouco interagia, apesar de ter espaço para fazer isso entre as grades, se quisesse. 

Alguns tentaram se aproximar, fazer perguntas, tentar descobrir o porque ele estava preso ali, naquele lugar. Marvin sabia, mas preferia não responder. Inventava desculpas e, as vezes, criava contextos para justificar para os outros e até para ele mesmo. De tanto falar ele acabou acreditando nas próprias justificativas.

O que ninguém sabia é que ele não havia feito nada de errado. Marvin havia se trancafiado naquela jaula de ferro, pequena de propósito e jogou a chave longe, para não conseguir alcançar mais. Em alguns momentos, aqueles andarilhos que por ali passavam tentaram chegar perto para tentar ajudá-lo. Marvin fingia que era grato pela ajuda mas, na verdade estava com medo de sair dali e, suspirava aliviado cada vez que alguém fracassava.

Já havia se acostumado com aquele local. Se sentia seguro. As vezes pensava que estava perdendo grandes experiências. As vezes se pegava pensando se aquela era a melhor decisão. Mas Marvin estava cômodo e tinha receio de tentar alcançar a chave. 

Num dia frio, mais um andarilho que passava por ali decidiu se aproximar. Marvin ficou quieto no cantinho de sua jaula. O andarilho se apresentou:
- Sou Brody. Tudo bem?
 
O silêncio de Marvin foi a resposta. Brody olhou a chave jogada longe, olhou de volta para Marvin trancafiado, e foi embora, seguindo seu caminho. Marvin não entendeu. Ficou pensando naquilo por horas. 

Durante os próximos dias Brody aparecia ali, colocava a chave um pouco mais perto da jaula e ia embora.
Marvin estava desesperado. Passou todos os dias pensando naquela situação. O que ele ia fazer? Iria ele abrir a jaula? Por que ele não falava nada? Era uma mistura de sentimentos bons, relacionados à possibilidade de estar finalmente livre, com sentimentos ruins de medo e insegurança. A chave estava cada vez mais perto. Brody não dizia mais nada. Marvin estava aterrorizado.

(continua)